
O quanto que a “grande mídia”, ou o seu viés, pode influenciar em uma eleição? A julgar pelo caso brasileiro – onde a maior revista semanal trouxe uma acusação gravíssima (e pouco amparada em provas) dias antes do pleito e nada mudou –, o seu poder é muito menor do que se imagina, e cada vez menor. O motivo é óbvio: com a internet, há mais “canais”, veículos e espaço para outras visões.
Mesmo assim, muitos políticos brasileiros, especialmente os de esquerda, dizem que a “redemocratização da mídia” é prioridade para melhorarmos a comunicação do país. O principal argumento é que a Globo não pode ser tão grande e poderosa. Para justificar isso, costumam trazer exemplos do passado – o apoio à ditadura, o debate de 1989 – para ilustrar porque ela faz mal e deve ser enfraquecida, como foi o Grupo Clarín na Argentina. O fato de a Globo ou Abril terem cada vez menos influência e que os “direitos de resposta” da internet viralizarem até mais que as denúncias originais são solenemente ignorados.
O pior é que nunca ouvi nenhum desses caras que gritam “o povo não é bobo” ou “Ley de Medios já” falarem seriamente no potencial de manipulação de facto do que está se tornando o real monopólio de mídia no Brasil: o Facebook. Talvez porque, provavelmente, o Facebook seja visto simplesmente como “meio”, e não como mensageiro. O Face abarca sem discriminação tucanos e petistas, gente que apoia ditaduras à direita e à esquerda, anarquistas, versões boladas de políticos e toda a fauna política, compalanque para todos. Tecnicamente, ele é obviamente mais “democrático” que qualquer grupo de comunicação jamais foi.
Mas há dois problemas: o primeiro é da ordem comercial. O Facebook está rumando para concentrar uma parte do dinheiro de publicidade (o que sustenta todo mundo, já que tudo é gratuito) tão grande ou maior que a Globo. Ano passado, o Facebook teve simplesmente 37% de todas as impressões de anúncios na internet brasileira - o segundo lugar, o UOL, teve um quinto disso. O governo considera o Facebook neutro como uma operadora de telefonia – mas ele não deixaria que nenhuma tivesse tamanha dominância no mercado. Mas isso é papo para o outro dia.
O segundo é sobre a falta de transparência. Ninguém sabe exatamente como funcionam os algoritmos que decidem o que vai aparecer no seu feed de notícias, nem quantas reclamações são necessárias para tirar uma postagem do ar, ou os exatos parâmetros para considerar algo “impróprio”. E essas coisas podem, considerando a escala do serviço, ter implicações importantes.
Falo, por exemplo, das eleições. Desde a primeira eleição de Obama, em 2008, o Facebook implementou um “botão do megafone” no dia da votação, para as pessoas avisarem aos amigos que tinham depositado a cédula nas urnas. Aquilo podia ser um mero detalhe tecnológico, mas um estudo mostrou que nas eleições seguintes, em 2010, 340 mil pessoas foram às urnas (nos EUA o voto não é obrigatório) exatamente por causa da “coerção social” de ver seus amigos votarem no Facebook. Em pleitos apertados como os das eleições de midterm, isso pode ser decisivo.
E esta é a questão, que está sendo levantada agora: se o Facebook controlar, de alguma forma e mesmo sem querer, quem verá o megafone e quem não, ele pode influenciar as eleições. Ele já influencia ao nos mostrar primordialmente visões políticas que nós concordamos (porque curtimos mais os posts de amigos que pensam como a gente), escondendo quando falam mal dos nossos candidatos, mas poderia ir um pouco além.
Parece teoria conspiratória, mas pense em um exemplo brasileiro: imagine se o Facebook ativasse o botão de “fui lá e cumpri meu papel democrático”, incitando os outros a votarem, apenas para quem curtiu previamente a página de um partido político. O PSDB tem mais curtidas que o PT (1,18 milhão versus 850 mil). O voto no Brasil é “obrigatório” apesar de a abstenção ser gigante e a multa, mínima. Mas isso não faria diferença? Pode ser. Porque o problema é que nós não sabemos quais os critérios que são usados para mostrar botões de engajamento político. Eu, pelo menos, não vi na minha timeline nas últimas eleições, apesar de o Facebook ter ativado o recurso no Brasil. Talvez eu esteja superestimando um botãozinho, mas no futuro a “demonstração de engajamento democrático” pode ser mais sofisticada.
A discussão sobre o poder e influência da Rede Social ganha cada vez mais força nos Estados Unidos, e até agora o Facebook respondeu dizendo que “está apenas querendo que as pessoas votem, independentemente de para quem”. Mas depois que ela conduziu um experimento psicológico em massa com os seus usuários, a desconfiança aumentou, e será preciso um pouco mais de transparência para dissipar qualquer teoria conspiratória.
A discussão que rola sobre o papel do Facebook nas eleições me lembra de O Círculo, um belo romance de Dave Eggers de 2013, traduzido mês passado no Brasil. A protagonista da história, passada em um futuro próximo, trabalha em uma mistura de Facebook, Google e Amazon. “O Círculo” (como a empresa fictícia é chamada) tem praticamente todos os adultos dos Estados Unidos registrados em seus serviços. E, em um dado momento, o seu CEO tem uma ideia para melhorar a democracia: “se há tantas abstenções, por que não fazer com que as pessoas votem diretamente pela rede social?”
No futuro distópico de Dave Eggers, essa ideia é aprovada pelo Congresso. A lógica é simples: são necessários alguns documentos oficiais para a pessoa se cadastrar na rede social, os mesmos necessários para votar. A segurança do “Círculo” é a melhor possível, e as eleições poderiam ser feitas com custo zero pelo governo, que apenas fiscalizaria, sem precisar de se preocupar em montar a sua própria infra-estrutura de votação/identidade online. “Vamos economizar 200 bilhões! Pense no quanto que isso poderia valer para melhorar a educação!”, diz o convincente chefão dO Círculo. Parece tentador e bem intencionado. Mas se há desconfiança sobre as urnas oficiais…
O Facebook não é O Círculo, e a gente pode confiar nas boas intenções de Mark Zuckerberg, por ora. Mas é sempre bom lembrá-lo que com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.