14 de jan. de 2015

Sobrevivente de ataque à 'Charlie Hebdo' diz ter se fingido de morto




Uma semana após o atentado que matou oito jornalistas do jornal satítico "Charlie Hebdo", os sobreviventes presentes na cena do crime começam a contar como viveram aquele 7 de janeiro de 2014, que já entrou para a história da França.

Em uma entrevista publicada nesta quarta-feira pelo jornal "Libération", o jornalista Philippe Lançon, atingido no rosto, conta o que ele lembra do dia do atentado e agradece as demonstrações de apoio e amizade.

"Tenho três dedos do lado de fora das ataduras, um queixo cheio de curativos e alguns minutos de energia".

Lançon é jornalista do "Libération" há 21 anos e colabora para o "Charlie Hebdo" desde 2003. No dia do ataque estava de saída quando os atiradores chegaram.

"Durante o horrível silêncio que seguiu depois da partida dos matadores de pernas pretas - eu não os vi - eu pensei olhando o corpo mais próximo, o de Bernard Maris, e me perguntei, sem conhecer o meu estado, o que é a vida, a morte. Eu me fiz de morto pensando que talvez eu estava ou estaria dentro de pouco", relatou.

Lançon lembrou que Tignous, um dos caricaturistas assassinado - "criado em uma periferia, um sobrevivente da pobreza", segundo ele - costumava se perguntar o que a França tinha realmente feito para evitar a formação de monstros furiosos.

Poupada por ser mulher
Já a jornalista Sigolène Vinson, em entrevista ao jornal "Le Monde", lembra de cada detalhe daquela manhã, a volta ao trabalho depois do recesso do Natal e Ano Novo.

Ela estava na reunião de pauta, Lançon tinha acabado de colocar o casaco, o chapéu e sua mochila. Charb, o chefe da redação, soltou uma piada, a última do dia. Foi quando eles ouviram um ruído que pensaram ser fogos. Ela viu Franck Brinsolaro, o policial que fazia a segurança de Charb, se levantar e procurar algo em sua perna, possivelmente uma arma.

"Ele disse: não se mexam bruscamente. Perto da porta ele hesitou um pouco. Eu me joguei no chão. Pop pop no "Charlie" eu entendi que não eram fogos", conta Sigolène.

A jornalista conta que saiu se arrastando, quando ouviu a porta abrir e um homem gritar: "allahou akbar" e depois "onde está Charb?". Enquanto tentava chegar do outro lado do cômodo para se proteger, ela ouvia tiros.

"Não eram rajadas. Eles atiravam bala por bala. Lentamente. Ninguém gritou. Todo mundo deve ter sido pego de surpresa. E de repente o silêncio e um odor de pólvora", diz. Escondida atrás de uma pilastra, ela vê passos se aproximando e mais tiros. Sigolène compreende que Mustapha, o revisor argelino que acabava de conseguir sua nacionalidade francesa, tinha sido atingido. "Eu vi os pés de Mustapha no chão."

Um dos atiradores contornou a pilastra onde ela estava. "Eu olhei para ele. Ele tinha grandes olhos negros, um olhar suave. Senti um momento de dúvida da parte dele, como se ele procurasse o meu nome".O atirador que Sigolène se refere é Said Kouachi, o irmão mais velho.

"Não tenha medo. Fique calma. Eu não vou te matar. Você é uma mulher. A gente não mata mulheres. Mas pense no que você faz. O que você faz é mau. Eu te poupo, e como eu te poupo você vai ler o corão", conta Sigolène lembrando de cada palavra que Said lhe disse naquele dia.

Em seguida, o atirador se volta para o seu irmão Chérif que está na grande sala e grita três vezes "A gente não mata mulheres". "Neste momento eu não sei que Elsa estava morta", diz Sigolène. Said desaparece, e ela pensa em se jogar pela janela, antes de se dar conta que é muito alto.

"É do Charlie. Estão todos mortos"
"Escuto tiros longe, na rua. Escuto os passos de Lila (a cadela da redação), ela passa do lado de Mustapha." Sigolène volta para a sala de reunião. "Vejo os corpos no chão. E dou de cara com Philippe (Lançon) com a parte de baixo do rosto rasgada. Ele me faz um sinal com a mão. Dois corpos estão sobre ele. É demais. Ele tenta falar comigo com a bochecha direita rasgada. Eu falo pra ele de não falar. Não consegui me aproximar dele. Não pude segurar sua mão. Não consegui ajudá-lo. Era demais.", relata a jornalista sobre a repulsa que sentiu ao ver Lançon com o rosto praticamente desfigurado.

Com dificuldade ela consegue recuperar o seu celular e ligar para a emergência.

"É do Charlie, venham depressa, estão todos mortos". O bombeiro pergunta quantos corpos. Sigolène conta que ficou brava e o achou "burro". No fundo da sala uma mão se levanta e diz: "não, eu não estou morto", diz o cartunista Riss que foi atingindo no ombro. Do lado dele, Fabrice Nicolino, também faz um sinal pra ela. Sentado em um mar de sangue, Nicolino tinha tomado tiros no abdômen e nas pernas. A desenhadora Coco entra na sala e começa a ajudar Lançon.

Sigolène vê o médico Patrick Pelloux chegar e se lembra que neste momento tiram ela da sala.

"Eu vejo Luz e não entendo o que ele está fazendo ali, porque ele não estava na reunião de pauta. Depois vejo Laurent Léger e não entendo também, porque ele estava na reunião. Os bombeiros chegam. Vejo Cécile, Coco e Luce e me dou conta que há sobreviventes. Tirando Elsa, todos as mulheres estão vivas".
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